domingo, 24 de julho de 2011

Citação da Semana


"O que não faz você mover um músculo, o que não faz você estremecer, suar, desatinar, não merece fazer parte da sua biografia."
Martha Medeiros

A VIDA QUE A TERRA CUIDA

"Esta semana compartilho com vocês uma composição de Anderson Fonseca, letrista talentoso, criada em agosto de 2010 e que participou da III Ramadinha da Canção Nativa. Espero que os fãs da boa música nativista apreciem e que os não conhecedores desta arte passem a admirar."  

Hoje a manhã foi mais fria que de costume...

Não sei se o frio que me consome o cerno

Vem do junho chuvoso e a ausência de fogo,

Ou se vem da ausência do mate

Que sempre encontrava cevado

Ao ouvir um “Buenos dias meu filho”!



O galpão se quedou penumbroso...

O cerne que queimava por duas noites

Sentia falta de um outro empunhando a cuia.

O “pero” não dormia em cima dos arreios suados

A inércia das chilenas num prego

Não indicavam campereadas de urgência

Ou escaramuças na mangueira

Os pingos faziam ronda frente ao galpão...

Mas faltava um baio na tropilha...



Por instinto atirei as chergas num ruano

E fiz pata larga pro campo!

Recorri de a um os potreiros,

Cruzei canhadas, revisei matos...

Revisei os arroios e as encostas brejeiras

Na esperança de achar o flete.



Só então botei reparo na costa do banhadal

Entre trevo e lamaçal, o baio a pastar cilente.

Um poncho estendido ao campo contraponteava

Seu negrume com o verdor das flexilhas e dos trevos.



O coleira velava, arrodeava o poncho

Sentava como a estar num trono

Volta e meia levantava,

Atropelava a corvada e de novo se acomodava...



Num misto de medo e incerteza

Cheguei mais perto... tomado de angústia.

Peguei nas franjas... ergui o poncho!

La pucha! Que me secou o tutano das juntas,

Os joelhos se dobraram e avançaram contra o campo

Qual o tombo de um mal domado.



Meu pai querido! Hoje eu tive que te ver

Deitado ao chão sobre esse quadro campechano.

Pedacito de paraíso que, junto a ti, recorri por vez primeira

Que aprendi a gostar, encilhando ao teu lado

A cada novo amanhecer,

Aprendendo os segredos e os mistérios do campo.



Hoje o ocaso será mais triste...

Quem sabe nesta tardinha, o céu se abra

Pra te receber em tua nova morada meu velho.

Por certo uma potrada xucra

Estará a espera do teu bocal.



Os ensinamentos...

Ah, os ensinamentos me farão falta pai amado.

Quanta coisa eu aprendi da tua boca cerrada

Quanta coisa me revelou no silencio dos teus olhos.

A ciência da doma, a precisão cirúrgica da esquila,

A força no alambrado, a certeza na cura e a fé em Deus...



Um legado infindo me deixaste

Sem nunca me atropelar...

Respeitando meus limites...



Três anos são passados...

Teu neto ensaia a dar hoje alguns passitos

De mãos dadas, num andejar desritmado

Vai conhecendo o campo que um dia me mostraste.



Num repente os passos cessam...

A inocência do seu olhar

Busca a figura disforme de ma cruz

Cravada no centro do rodeio, junto aos cochos de sal.



Mira meus olhos (como eu buscava os teus)

E em seguida segue a marcha descompassada...

Seus olhos baixos, pai amado me traduz

A imensa falta que fará em nosso meio.

Quero ouvir tua voz de ronda no rodeio,

E nas estrelas ver teus olhos numa luz.



Este ano tropearei solito...

Mas levarei teu flete de tiro

Pra me farezes costado.

Mas... eu sinto...

Falta um aboio no levar da tropa mansa

Falta um cavalo no fiador da minha vida

Tu sempre foi para os meus medos a guarida

A voz segura que traçava minha trilhas

Por vezes no campo eu te vejo entre as flexilhas

Cruzando a várzea ao trote largo em partida.



Terra pampeana... ajoelhado aqui te peço

Que zele o sono da alma que transcendeu

Um tronco antigo que o Rio Grande aqui perdeu

Peço ao meu Deus que me regale o entendimento

E à terra amiga, oro aqui nesse momento

Que ela cuide de ti... meu velho pai... melhor que eu!

 
Anderson Fonseca



Por Gabriela Cabral
http://youtu.be/RQGYMUIsvxU