"Esta semana compartilho com vocês uma composição de Anderson Fonseca, letrista talentoso, criada em agosto de 2010 e que participou da III Ramadinha da Canção Nativa. Espero que os fãs da boa música nativista apreciem e que os não conhecedores desta arte passem a admirar."
Hoje a manhã foi mais fria que de costume...
Não sei se o frio que me consome o cerno
Vem do junho chuvoso e a ausência de fogo,
Ou se vem da ausência do mate
Que sempre encontrava cevado
Ao ouvir um “Buenos dias meu filho”!
O galpão se quedou penumbroso...
O cerne que queimava por duas noites
Sentia falta de um outro empunhando a cuia.
O “pero” não dormia em cima dos arreios suados
A inércia das chilenas num prego
Não indicavam campereadas de urgência
Ou escaramuças na mangueira
Os pingos faziam ronda frente ao galpão...
Mas faltava um baio na tropilha...
Por instinto atirei as chergas num ruano
E fiz pata larga pro campo!
Recorri de a um os potreiros,
Cruzei canhadas, revisei matos...
Revisei os arroios e as encostas brejeiras
Na esperança de achar o flete.
Só então botei reparo na costa do banhadal
Entre trevo e lamaçal, o baio a pastar cilente.
Um poncho estendido ao campo contraponteava
Seu negrume com o verdor das flexilhas e dos trevos.
O coleira velava, arrodeava o poncho
Sentava como a estar num trono
Volta e meia levantava,
Atropelava a corvada e de novo se acomodava...
Num misto de medo e incerteza
Cheguei mais perto... tomado de angústia.
Peguei nas franjas... ergui o poncho!
La pucha! Que me secou o tutano das juntas,
Os joelhos se dobraram e avançaram contra o campo
Qual o tombo de um mal domado.
Meu pai querido! Hoje eu tive que te ver
Deitado ao chão sobre esse quadro campechano.
Pedacito de paraíso que, junto a ti, recorri por vez primeira
Que aprendi a gostar, encilhando ao teu lado
A cada novo amanhecer,
Aprendendo os segredos e os mistérios do campo.
Hoje o ocaso será mais triste...
Quem sabe nesta tardinha, o céu se abra
Pra te receber em tua nova morada meu velho.
Por certo uma potrada xucra
Estará a espera do teu bocal.
Os ensinamentos...
Ah, os ensinamentos me farão falta pai amado.
Quanta coisa eu aprendi da tua boca cerrada
Quanta coisa me revelou no silencio dos teus olhos.
A ciência da doma, a precisão cirúrgica da esquila,
A força no alambrado, a certeza na cura e a fé em Deus...
Um legado infindo me deixaste
Sem nunca me atropelar...
Respeitando meus limites...
Três anos são passados...
Teu neto ensaia a dar hoje alguns passitos
De mãos dadas, num andejar desritmado
Vai conhecendo o campo que um dia me mostraste.
Num repente os passos cessam...
A inocência do seu olhar
Busca a figura disforme de ma cruz
Cravada no centro do rodeio, junto aos cochos de sal.
Mira meus olhos (como eu buscava os teus)
E em seguida segue a marcha descompassada...
Seus olhos baixos, pai amado me traduz
A imensa falta que fará em nosso meio.
Quero ouvir tua voz de ronda no rodeio,
E nas estrelas ver teus olhos numa luz.
Este ano tropearei solito...
Mas levarei teu flete de tiro
Pra me farezes costado.
Mas... eu sinto...
Falta um aboio no levar da tropa mansa
Falta um cavalo no fiador da minha vida
Tu sempre foi para os meus medos a guarida
A voz segura que traçava minha trilhas
Por vezes no campo eu te vejo entre as flexilhas
Cruzando a várzea ao trote largo em partida.
Terra pampeana... ajoelhado aqui te peço
Que zele o sono da alma que transcendeu
Um tronco antigo que o Rio Grande aqui perdeu
Peço ao meu Deus que me regale o entendimento
E à terra amiga, oro aqui nesse momento
Que ela cuide de ti... meu velho pai... melhor que eu!
Anderson Fonseca